O consórcio pode até oferecer parcelas menores, mas exige paciência do comprador, uma vez que ele depende de sorteio para acelerar o acesso ao bem comprado. E o financiamento é um endividamento de longo prazo, mas que garante entrega imediata.
Consórcio ou financiamento? Em geral, o conselho que você vai ouvir é para você fugir dos dois. Ambos cobram taxas que fazem com que você pague muito mais caro pelo bem do que se comprasse à vista.
“Na matemática financeira, nenhum dos dois é bom. O ideal é guardar o dinheiro e comprar com o dinheiro na mão. O mais indicado é um bom planejamento, ter paciência e reavaliar se você precisa realmente comprar aquilo por financiamento ou consórcio”, afirma Claudia Yoshinaga, coordenadora dos centros de estudos em finanças da FGV.
Mas quando é algo de valor alto, bem pouca gente vai ter o dinheiro para pagar tudo à vista e talvez tenha de recorrer a um consórcio ou financiamento. Faz parte. Um exemplo é uma casa que você precisa para moradia. Talvez esperar 20 ou 30 anos para finalmente ter o imóvel e pagá-lo na integralidade faça pouco sentido, visto que você vai usufruir menos dele.
Se é para pagar aos poucos e arcar com taxas, o que considerar antes de decidir por um consórcio ou um financiamento? O Valor Investe ouviu especialistas para entender os pros e contras de cada um deles.
Uma das principais diferenças entre os dois é que, com o consórcio, você pode demorar mais para ter o bem. Já o financiamento é uma dívida que garante acesso praticamente imediato ao que você comprou, seja carro, seja casa.
O financiamento
O financiamento exige um valor mínimo de entrada, aqueles que não impõem essa condição (no caso da compra de automóveis) costumam cobrar juros maiores, o que se torna uma desvantagem. Para financiar imóveis, é preciso ter pelo menos 20% do valor do bem para dar de entrada.
Para muita gente, que está sem dinheiro em caixa ou que ainda não tem um bom planejamento financeiro, isso pode ser um ponto contra o financiamento. Os consórcios, por outro lado, não exigem valor mínimo, apenas dividem o valor total da carta de crédito que você estará comprando pelo número de parcelas.
Financiamento é uma forma de empréstimo, uma dívida com juros que você assume por um determinado período de tempo. O perfil de bom ou mau pagador interfere nas condições do financiamento. Para quem está com o nome sujo, é muito mais difícil ou mais caro conseguir boas taxas para financiar um bem.
Os juros do financiamento também mudam conforme o cenário macroeconômico. Por exemplo, agora, a taxa básica de juros do Brasil, a Selic, está a um nível baixo a 2,75% ao ano. Isso fez com que, de modo geral, as taxas praticadas no mercado caíssem e se tornasse mais acessível e barato comprar por meio de financiamento.
Por outro lado, quando as taxas de juros sobem, os juros ficam mais caros e você corre um risco maior de se endividar. Mas não se preocupe, se você fechou um contrato com taxas prefixadas (com ou sem índice de correção monetária), os juros não flutuam e fica mais fácil de prever quanto você vai pagar em cada parcela.
De modo geral, os financiamentos também oferecem prazos maiores que os consórcios. Por exemplo, na hora de comprar a casa própria, há bancos que permitem que você parcele a dívida em 400 prestações, enquanto no consórcio o prazo máximo fica por volta de 240 meses.
Porém, vale lembrar que o financiamento é uma forma de endividamento e, em caso de falta de pagamento, você pode perder o bem. Os carros e imóveis financiados são usados como garantia para a inadimplência e podem ser tomados para que a dívida seja quitada.
Apesar disso, para Ikedo, um ponto positivo do financiamento imobiliário é que ele exige a contratação de um seguro que cobre morte e invalidez permanente. “Ou seja, já vem com essa proteção tão importante que muitas vezes as pessoas não pensam ao longo da vida e são surpreendidas quando acontece”, diz.
Vantagens do financiamento:
- Prazos mais longos de até 35 anos, quando se trata de financiamento imobiliário e até 5 anos para financiamento de veículos;
- Taxas baixas, especialmente tempos de Selic na mínima histórica;
- Também é possível contratar uma parcela que caiba no orçamento;
- Indicado para quem quer receber o bem de imediato.
Desvantagens do financiamento:
- Endividamento de longo prazo;
- Exige valor mínimo de entrada (no caso de imóveis);
- Juros que tornam o bem mais caro ao final do prazo;
- Condições exigidas pelo credor, como abertura de conta, etc;
- CET (Custo Efetivo Total) com tarifas e taxas extras.
O consórcio
A primeira coisa que você deve saber sobre o consórcio é que, para se dar bem, exige um pouco de sorte. Não é só a parte de números e planejamento financeiro que conta.
Neste modelo de compra, vários compradores se unem e pagam todos os meses as parcelas necessárias para comprar um bem de interesse comum. No entanto, todo mês, somente uma minoria dessas pessoas vai receber a carta de crédito para comprar aquele bem.
Para eleger quem recebe a carta do carro ou o imóvel primeiro há sorteios e também o maior lance, que é quando alguém adianta consideravelmente a quantia devida para quitar o bem. Nenhuma dessas formas garante que você vá conseguir ter acesso rapidamente ao seu imóvel.
“O lance pode ajudar neste sentido, mas nem sempre o valor equivalente a uma entrada no financiamento é suficiente para servir como lance vencedor em um consórcio de bem semelhante – por isso, os mais ‘apressadinhos’ costumam optar pelo financiamento”, afirma Conrado Navarro, sócio e especialista em Finanças da fintech Grão.
A empresa que gerencia o consórcio cobra taxas por volta de 20% do valor do bem para administrar o processo. Quem desistir do negócio no meio do caminho pode receber o dinheiro pago de volta, mas não sem arcar com uma espécie de multa (taxa de desistência) que varia de 10% a 30% de tudo que já pagou.
“A taxa é fixa e dividida no prazo escolhido. Por exemplo, um grupo de 200 meses com taxa de 20% – na média, teremos uma taxa de 0,1% ao mês. Ou seja, não existem juros. E é muito importante enfatizar que a taxa de administração é dividida pelo prazo total do grupo“, afirma a presidente do Grupo Ademicon, de consórcios, Tatiana Schuchovsky Reichman. “Só para se ter uma ideia, no Grupo Ademicon, a taxa de administração de um consórcio de imóveis gira em torno de 1,2% ao ano e a de veículos, ficam em 2% ao ano”.
Reichman destaca que o consórcio é um modo de planejar uma compra e que ele tem prestações menores que o financiamento. Segundo a executiva, existe a possibilidade de pagar parcelas reduzidas no início do consórcio, e só aumentá-las após a contemplação da carta. De toda forma, o valor total pago segue inalterado ao fim do prazo.
Outra simulação, realizada pela plataforma on-line de comparação e acesso ao financiamento imobiliário, Melhortaxa, aponta que as parcelas primeiras em 240 meses ficariam em R$ 3.805, as últimas por volta de R$ 1.740 considerando uma taxa de juros de 6,25% ao ano e CET (Custo Efetivo Total) de 6,88% ao ano, para um comprador de 30 anos (sim, a idade do comprador interfere no valor do financiamento).
O cenário considera a entrada mínima de 20% do valor do imóvel, no caso, R$ 100 mil, com financiamento dos R$ 400 mil restantes.
Um dos problemas do consórcio, e motivo de ele ter ganho má fama entre investidores, é que ele cobra uma taxa alta para ‘administrar seu dinheiro’.
Pela lógica, se for para esperar para ter o imóvel ou carro, o ideal era você mesmo guardar em aplicações onde o dinheiro renderia até que conseguisse pagar à vista. E, em vez de pagar uma taxa, você receberia juros para investir o dinheiro até a data de compra do bem.
“Num consórcio você pode ser o último da fila, e nesse tempo, você podia ter tido a disciplina de ir guardando o dinheiro para pagar o carro/imóvel à vista. Existe também a ideia de pensamento meio mágico que as pessoas acham que vão se dar bem, sempre acham que vão ter mais sorte que as demais. Ninguém entra num consórcio achando que vai ser o último, mas alguém sempre é”, afirma a professora da FGV Claudia Yoshinaga.
Do ponto de vista das finanças comportamentais, o consórcio funciona porque não é uma dívida no sentido tradicional. Ele também pode ser uma boa alternativa para quem não tem autocontrole e disciplina de guardar dinheiro, mas consegue se comprometer bem em arcar com as parcelas do consórcio, explica Yoshinaga.
Em todo caso, o melhor a fazer é usar simulações de financiamento e consórcio para saber se a diferença entre os dois é muito grande.
Para Navarro, da Grão, se o valor do consórcio e do financiamento for similar, o financiamento acaba tendo a vantagem de você já sair com o imóvel ou veículo sem precisar esperar.
Vale lembrar que, assim como no financiamento, o consórcio imobiliário também conta com seguro contra morte ou invalidez, como forma de não prejudicar o grupo de compradores no caso de um infortúnio de algum membro. O preço do seguro é diluído nas parcelas.
O consórcio passa a ser uma espécie de dívida após a contemplação da carta de crédito. O carro ou imóvel é usado como garantia dos pagamentos, assim como ocorre nos financiamentos.
Os consórcios também têm correção monetária, de modo similar ao que ocorre com financiamentos. “A correção é feita anualmente sobre o crédito, por meio de índices definidos em contrato (INPC / IGPM / INCC, entre outros). Essa correção ocorre sobre o valor da carta de crédito que, consequentemente, também reajusta as parcelas proporcionalmente. Para os não contemplados é uma ótima atualização, pois sua carta está sendo sempre corrigida“, explica Reichman, da Ademicon.
Vantagens do consórcio:
- Parcelas menores e valor total mais baixo;
- Não se trata, de cara, de uma dívida;
- Há possibilidade de desistência e dinheiro de volta (com descontos/multas);
- Possibilidade de parcelas mais baixas no início e mais altas somente após contemplação;
- Não exige valor de entrada;
- Não tem taxa de juros;
- Indicado para quem tem pouco autocontrole na hora de guardar dinheiro.
Desvantagens do consórcio:
- Não há garantias de quando vai receber a carta de crédito, depende da sorte;
- Tem taxas altas que poderiam ser substituídas por investimentos se o investidor tiver disciplina de guardar o dinheiro para comprar à vista;
- Taxas/multas por desistência;
- Após contemplação, torna-se uma dívida e pode alienar (tomar) o bem como garantir contra inadimplentes;
- Prazos tendem a ser menores que no financiamento.
Por Isabel Filgueiras, Valor Investe — São Paulo